Devedor tem liberdade para aglutinar credores na recuperação extrajudicial, diz STJ
Por: Danilo Vital
Fonte: Consultor Jurídico
O devedor que pede a recuperação extrajudicial pode exercer com liberdade a
definição das classes ou grupos de credores a serem abrangidos a partir de
critérios diversos, desde que relacionados a alguma característica original do
crédito.
Grupo econômico do ramo da construção aglutinou credores e obteve o cram
down para aprovar recuperação extrajudicial
A conclusão é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, que manteve a
homologação do plano de recuperação extrajudicial do Grupo Fidens, que atua
nos ramos de construção pesada e mineração.
A recuperação extrajudicial é um procedimento de soerguimento que passa pelo
Judiciário, mas tem caráter contratual, de renegociação privada das dívidas para
equacionamento da crise econômico-financeira.
Ao contrário do que ocorre na recuperação judicial, não há acompanhamento
pelo juízo universal e o descumprimento do plano aprovado pelos credores não
leva à falência.
Critério para o cram down
Nesse contexto, a 4ª Turma do STJ adotou uma interpretação menos restritiva
do 163 da Lei 11.101/2005, que trata da possibilidade do chamado cram down
— a imposição da recuperação extrajudicial, mesmo sem a aprovação de todos
os credores.
A norma diz que o devedor pode requerer a homologação do plano, desde que
assinado por credores que representem uma quota mínima dos créditos.
Na redação original da lei, essa cota era de 3/5 de todos os créditos de cada
espécie por ele abrangidos. O recurso foi julgado considerando essa regra. A
Lei 14.112/2020 reduziu esse mínimo para “mais da metade dos créditos”.
Para definir a quem a recuperação judicial se impõe, o parágrafo 1º do artigo
163 confere ao devedor a possibilidade de adotar as espécies de crédito
previstos no trecho da lei que trata da falência (créditos trabalhistas,
quirografários e subordinados) ou fazer a aglutinação deles.
Nessa segunda hipótese, o devedor pode unir grupo de credores de mesma
natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento. Se mais de 3/5 deles
(pela regra original) aprovarem o plano, o restante também deve se submeter.
Recuperação extrajudicial para quem?
No caso do grupo Fidens, a aglutinação envolveu 620 credores, dentre os quais
dez recorreram da sentença de homologação do plano. Eles entenderam
indevida a aglutinação de quirografários, microempresas (ME) e empresas de
pequeno porte (EPP) num único grupo.
A alegação é de que a medida ofendeu a preferência legal de créditos
estabelecida pela lei, o que possibilitou que apenas três credores impusessem a
aprovação do plano em relação a todos os demais.
Relator do recurso especial, o ministro João Otávio de Noronha apontou que,
para fins de recuperação extrajudicial, não é preciso que o quórum de devedores
seja apurado nas classes de créditos previstos para a falência (artigo 83 da lei).
Isso porque o propósito do legislador foi estabelecer um mecanismo menos
burocrático para a recuperação extrajudicial. E o fez justamente ao permitir que
o devedor selecione grupo de credores que tenham pontos em comum.
Liberdade para escolher
Ao citar doutrina de Bullamah & Schneider, defendeu que não há rigidez na
definição das classes ou grupos de credores a serem abrangidos pela
recuperação extrajudicial, podendo a empresa devedora e credores adotar
critérios diversos, desde que relacionados a alguma característica original do
crédito.
“Não há óbice à aglutinação de créditos quirografários com aqueles titularizados
por microempresas (ME) e empresas de pequeno porte (EPP) num único grupo
na recuperação extrajudicial, quando tiverem natureza e condições de
pagamento semelhantes, garantindo-se tratamento homogêneo a cada classe ou
grupo de credores por ela abrangido.”
Essa interpretação foi a usada pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, que
manteve a homologação do plano. Concluiu a corte estadual que a sujeição dos
credores ME e EPP ao plano de recuperação extrajudicial era necessária,
considerando aspectos práticos.
Em voto-vista, a ministra Isabel Gallotti apontou que, após as modificações da
Lei 14.112/2020, os créditos de microempresas (ME) e empresas de pequeno
porte (EPP) não têm mais distinção na ordem de classificação de créditos na
falência.
REsp 2.032.993